quinta-feira, 23 de abril de 2009

O novo Santo Português

São Nuno de Santa Maria, rogai por nós.


Nascido em 1360, Nuno Álvares Pereira foi educado nos ideais nobres da Cavalaria medieval, no ambiente das ordens militares e depois na corte real. Tal ambiente marcou a sua juventude. As suas qualidades e virtudes impressionaram particularmente o Mestre de Aviz, futuro rei D. João I, que encontrou em D. Nuno o exímio chefe militar, estratega das batalhas dos Atoleiros, de Aljubarrota e Valverde, vencidas mais por mérito das suas virtudes pessoais e da sua táctica militar do que pelo poder bélico dos meios humanos e dos recursos materiais.

Casou com D. Leonor Alvim de quem teve três filhos, sobrevivendo apenas a sua filha Beatriz, que viria a casar com D. Afonso, dando origem à Casa de Bragança. Tendo ficado viúvo muito cedo e estando consolidada a paz, decidiu aprofundar os ideais da Cavalaria e dedicar se mais intensamente aos valores do Evangelho, sobretudo à prática da oração e ao auxílio dos pobres. Assim, pediu para ser admitido como membro da Ordem do Carmo, que conhecera em Moura e apreciara pela sua vida de intensa oração, tomando o profeta Elias e Nossa Senhora como modelos no seguimento de Cristo.

De Moura, no Alentejo, vieram alguns membros da comunidade carmelita, para o novo convento que ele mesmo mandara construir em Lisboa. Em 1422, entra nesta comunidade e, a 15 de Agosto de 1423, professa como simples irmão, encarregado de atender a portaria e ajudar Verificação ortográficaos pobres. Passou então a ser Frei Nuno de Santa Maria. Depois de uma intensa vida de oração e de bem fazer, numa conduta de grande humildade, simplicidade e amor à Virgem Maria e aos pobres, faleceu no convento do Carmo, onde foi sepultado.

Logo após a sua morte começou a ser venerado como santo pela piedade popular. As suas virtudes heróicas foram oficialmente reconhecidas pelo Papa Bento XV, que o proclamou beato, em 1918, passando a ter celebração litúrgica a 6 de Novembro.

No próximo Domingo, 26 de Abril, às 10 horas da manhã (hora de Roma), na Praça de São Pedro, o Papa Bento XVI presidirá à canonização do Beato Nuno de Santa Maria, “o Santo Condestável”.

O milagre que permitiu a canonização aconteceu em 2000. Foi o caso de Guilhermina de Jesus, uma idosa que se tinha queimado com óleo de fritar, que foi o escolhido.

A 29 de Setembro de 2000, Guilhermina de Jesus estava em sua casa a cozinhar quando lhe saltou óleo de fritar para o olho, queimando-lhe a córnea e cegando-lhe uma vista. Apesar da rápida intervenção médica e da hospitalização, os médicos afirmaram que a única solução seria um tratamento com medicamentos muito fortes, que duraria cerca de um ano.

Guilhermina de Jesus, a mulher que recebeu a graça do milagre entretanto provado, contou em exclusivo à Revista Família Cristã que a devoção ao beato Nuno já vinha de trás. "Há muitos anos que é o santo da minha devoção", afirma Guilhermina. Por essa mesma razão, relata o padre Francisco Rodrigues, vice-postulador da Causa da Canonização do Beato Nuno, "a Guilhermina, juntamente com o seu pároco, família e amigos deslocaram-se a Fátima, onde rezaram uma novena pública ao beato Nuno".

"Um tempo mais tarde, e vendo que a situação da sua paciente não melhorava, a sua médica, a doutora Lucinda, sugeriu-lhe que colocasse uma lente especial que lhe permitiria não usar o penso, que já a incomodava", recorda o padre Francisco. Nessa mesma noite, enquanto se preparava para colocar a lente, deslocou-se ao quarto, rezou ao beato Nuno e beijou a sua imagem. Quando regressou à sala e passou a mão pela vista, viu que já não lacrimejava e que conseguia ver daquele olho. "Não disse nada a ninguém naquela noite e fui dormir com uma sensação de paz muito grande", recorda a sexagenária, que no dia seguinte foi contar ao seu filho e ao padre Querido, seu pároco, o que lhe tinha sucedido.

O milagre foi examinado pela consulta médica da Congregação das Causas dos Santos em Abril de 2008, pelos teólogos em Maio, pela Plenária do Dicastério, composta pelos Cardeais, Arcebispos e Bispos, em Junho, e finalmente pelo Santo Padre Bento XVI no dia 3 de Julho. Entrevista ao Cardeal Dom José Saraiva Martins:

Ecclesia – O que faz de Nuno Álvares Pereira um Santo?

Cardeal José Saraiva Martins – Essa pergunta vale para todos os outros Santos, a espiritualidade é a sua santidade. O Beato Nuno não é uma figura fora de moda, é actualíssima, por causa da mensagem que nos transmite.
É admirável na sua espiritualidade carmelita e no seu amor pelos pobres, o que é hoje muito actual. Nos últimos anos da sua vida, como se sabe, passava o tempo pelas ruas de Lisboa, a pedir esmola para os mais desfavorecidos, o que supõe um amor fantástico ao próximo. Hoje, quando se fala tanto em pobres, o exemplo do beato Nuno pode ser uma mensagem extremamente importante para a Igreja portuguesa, convidada a seguir o seu exemplo.
Por outro lado, tem uma espiritualidade profundamente mariana: antes e durante as batalhas, ajoelhava-se e rezava a Nossa Senhora. Isto é muito significativo, muito importante, era um militar e fazer isso supõe um grande acto de heroísmo.

Ecclesia – Que outras virtudes destacaria nesta figura?

JSM – Acima de tudo, a sua humildade. Deixou tudo, absolutamente tudo, e fez-se carmelita para se dedicar à vida religiosa e aos pobres. Esta é uma virtude que praticou em grau heróico.

Ecclesia – A devoção ao Beato Nuno já teve uma expressão considerável...

JSM – Já teve e eu acho que ainda tem, porque esta devoção está muito divulgada em Portugal, ele é um bocado como o São Genaro em Nápoles: para eles, aquele Santo protector é tudo.
Hoje, a devoção é muito viva entre o povo cristão, para os fiéis.

Ecclesia – Uma devoção muito mariana...

JSM – Sim, como disse antes, fica visível nos pedidos de ajuda e protecção à Mãe de Deus antes das batalhas, uma expressão clara e evidente da devoção profunda e interior a Nossa Senhora.
Ele era um Santo do seu tempo e não devemos criticar certas devoções de então, porque pecaríamos com um anacronismo histórico. Temos de interpretar a história no contexto do passado. Seria um passado imperdoável ver com os olhos de hoje a história de ontem e isso vale também para o Beato Nuno, que viveu num tempo muito diferente do nosso. Contudo, a mensagem é a mesma e é validíssima.

Ecclesia – Na sua opinião, porque é que o processo esteve parado durante tanto tempo?

JSM – Isso será alvo de um estudo que irei publicar, em que lanço um olhar sobre as várias fases do processo. A demora aconteceu, muitas vezes, por questões burocrática, outras vezes por não se ter compreendido a figura gigantesca do Beato Nuno.

Ecclesia – Não foi compreendido no Vaticano?

JSM – Não tanto no Vaticano, mas fora do Vaticano. Para dar um exemplo, em 1942 o Beato Nuno poderia ter sido canonizado, o Papa Pio XII tinha a convicção de que seria bom canonizá-lo e declarou-se disposto a fazê-lo por via de um decreto, ou seja, sem cerimónia litúrgica na Praça de São Pedro. Esta proposta, contudo, não foi aceite e acabou por se ficar sem a canonização e sem a cerimónia.

Ecclesia – Não foi aceite por quem?

JSM –A História é sempre complexa, seria muito longo explicar tudo aqui. Esteve em causa o compreender bem a história, o valor daquela figura e o significado da canonização.

Ecclesia – Hoje já ouvimos por aqui alguma contestação à canonização, até por causa do próprio milagre...

JSM – Quem faz essas afirmações teria de prová-las. Respondo afirmando que a cura da senhora Guilhermina de Jesus foi examinada pelo grupo de médicos, profissionais reputados, catedráticos universitários, que olham para o caso apenas do ponto de vista científico. É a voz da ciência, nua e crua, os médicos da Congregação para as Causas dos Santos têm de agir como cientistas, chegámos mesmo a pedir pareceres a médicos agnósticos, nalguns casos. Se quem contesta o milagre quer ser mais do que os especialistas, então isso é outra coisa...

Ecclesia – Entende que hoje é possível conhecer melhor a figura para ultrapassar ambiguidades?

JSM – Certamente, hoje temos meios de que os nossos antepassados não dispunham.

Ecclesia – Como sente que está a ser vivida a preparação da cerimónia?

JSM – Com muito entusiasmo, pelo que pude observar, a começar pela família carmelita, que há muito tempo aspirava por este dia. Muitos portugueses irão a Roma e eu, como prefeito que levou ao fim este processo, sou a pessoa mais feliz do mundo.

Ecclesia – Sente que foi a cereja no cimo do bolo do trabalho que fez na Congregação?

JSM – Não, no fundo foi o Beato Nuno quem fez outro milagre, para ser canonizado agora, porque nos últimos 3 meses da minha prefeitura fez-se o que se faz, muitas vezes, em muitos anos: o exame da cura por parte dos médicos, dos teólogos, dos Cardeais da Congregação e, finalmente, a aprovação do Papa numa audiência privada. Foram meses muito intensos. Eu achava que era importante deixar a prefeitura com tudo terminado.

Ecclesia – A canonização pode ser uma oportunidade para reavivar o catolicismo português?

JSM – Eu acho que pode ser uma ocasião para rever certas posições de muitos crentes, para reavivar a fé, porque qualquer canonização é um momento importantíssimo para o país de origem do novo santo. É um erro pensar que só a Igreja está interessada nestes eventos, é também o Estado, todo o povo.

Fontes:

Agência Ecclesia;
Rádio Vaticano;
Revista Família Cristã.


Sem comentários:

Enviar um comentário