terça-feira, 10 de agosto de 2010

REFÚGIO DOS PECADORES



Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é conVosco, bendita sois Vós entre as mulheres e bendito é o fruto do Vosso ventre, Jesus.


Santa Maria, Mãe de Deus rogai por nós, pecadores, agora, e na hora da nossa morte. Amén.

Seria possível conceber algo aparentemente mais contraditório no plano de Deus do que nomear Nossa Senhora como auxílio daqueles que ofendem a Seu Divino Filho?
Em princípio, que relação poderia haver entre Aquela que é Imaculada — ou seja, sem mancha, nem sequer a do pecado original — e a humanidade falida e repleta de defeitos? Não seria acaso mais sábio dizer somente que a Virgem tem pena dos pecadores, mas não que é o refúgio deles? Refúgio não seria uma palavra forte demais, inaplicável para quem justamente deveria ser punido pela justiça divina? Se levarmos a palavra refúgio no rigor da lógica cartesiana, não chegaremos acaso à conclusão de haver algum tipo de cumplicidade entre a Santíssima Virgem e o pecador?
Todas essas perguntas são fruto de impressões erradas, sabiamente refutadas pela Santa Igreja, a qual não fica apenas nas aparências dos problemas, mas vai ao fundo deles. E com toda razão a Igreja nos ensina que Deus coloca a mais Santa das criaturas como protectora das piores dentre elas.
Diversos graus de malícia
Existem vários tipos de pecador.
Há o que peca por fraqueza, porque não rezou ou não lutou suficientemente contra seus próprios defeitos. Trata-se de pecador miserável, mas que ao menos reconhece estar errado, não busca justificar o pecado, e em numerosos casos se arrepende, mesmo se volta depois a cair.
Um segundo tipo é aquele pecador que se instalou no pecado. Sua razão busca umas tais ou quais “justificações”: o pecado é inevitável, não temos forças mesmo, não adianta lutar contra as más inclinações, etc. Ignora o papel da graça, negligencia por completo a oração. E assim se instala em sua alma a tibieza espiritual, a indiferença criminosa, mortal a longo prazo.
Finalmente existe o pecador que se identifica com o pecado. Ele não só o comete, mas justifica-o, chegando ao ponto de não tolerar oposição a seus vícios. É o pecador endurecido.
Qual a posição da Santíssima Virgem relativamente a esses tipos de pecadores?
A actuação de Nossa Senhora
Antes de entrar propriamente no tema, devemos esclarecer preliminarmente que a Santíssima Virgem tem uma submissão completa a Deus, ou seja, o plano de Deus é exactamente o mesmo d’Ela, em todos seus detalhes. Deus é o Ser perfeitíssimo, e ao mesmo tempo a própria justiça e a própria misericórdia subsistentes. Para nossa óptica humana, sobretudo na natureza decaída, é difícil entender como podem harmonizar-se estas duas qualidades na mesma pessoa.
Por isso, razões por assim dizer didácticas levam a que Ele, que representa a justiça, deixe frequentemente a representação da misericórdia nas mãos de sua Mãe. De fato a misericórdia d’Ela não é senão uma participação privilegiada da infinita misericórdia de Deus.
Nossa Senhora, na Sua relação com o pecador, não procura esconder o pecado, nem dissimular sua gravidade, muito menos criar uma situação por onde a alma permaneça tranquila na situação deplorável de pecadora. Isso não seria misericórdia, mas sim conivência. Ela vai, pelo contrário, suscitar na alma as boas reacções que a levam ao arrependimento e a entender a necessidade da penitência.
É óbvio que o pecador do primeiro tipo, que peca por fraqueza, entenderá mais especialmente o papel de Nossa Senhora como refúgio. Após a turbulência do pecado, a consciência da própria falta pesará sobre ele e não o deixará em paz. Ao mesmo tempo, sua alma carregará uma tristeza pela derrota sofrida e um desejo errado de justificar-se. Estes dois elementos contraditórios se alternarão na sua mente, encherão seus pensamentos e levantarão uma tormenta espiritual, que pode ser terrível como tempestades marinhas. É a luta entre o bem e o mal, na qual o primeiro contra-ataca e o segundo quer assegurar o terreno conquistado.
Exactamente aqui entra o papel de Nossa Senhora como refúgio. A alma procura encontrar alguma ajuda externa que solucione a tragédia na qual se submergiu. Neste momento apresenta-se à sua mente a criatura por excelência que o pode ajudar. Não se mostra com uma atitude dura, como quem repreende, mas também não deixa transparecer qualquer cumplicidade. É a bondade materna, atraente, suave, conciliadora, compreensiva. A própria alma sente que Ela o entendeu, e Nossa Senhora comporta-se com a alma pecadora exactamente como a mãe de uma criança culpada.
Primeiro ela a atrai a si, e logo, com paciência e bondade, vai lhe mostrando o erro cometido, com muita doçura. Procura raciocinar juntamente com a alma, e ao mesmo tempo que aponta o erro, mostra como saná-lo. Nossa Senhora sussura nessa ocasião a necessidade e a sabedoria do sacramento da confissão. A penitência que impõe o sacerdote não é um castigo que derruba e abate, mas sobretudo a escada que permite voltar ao alto.
A maternal protecção
Se analisarmos objectivamente a actuação de Nossa Senhora, não do ponto de vista do pecador, mas de Deus, constataremos que ela é de uma coerência perfeita: “Deus não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva”, diz a Sagrada Escritura. Como obter isto? Justamente enviando alguém em socorro do miserável, de forma que mostre a ele a sua triste situação, levando-o a pedir perdão e ao desejo de reparar o mal cometido. Nossa Senhora tem assim perfeitamente delineado o Seu papel no plano da salvação, como um elemento essencial. É a ferramenta que repara as imperfeições espirituais, o medicamento que cura a doença, o guia que mostra o caminho.
Poderia parecer que tais considerações não se aplicam aos pecadores do segundo tipo. O próprio facto de estarem instalados no pecado indicaria que não sofrem as tormentas espirituais do primeiro grupo. Na realidade, ninguém fica estável na vida espiritual, nem para o bem nem para o mal. Sempre estamos subindo ou descendo. Não há “ponto morto”.
A ilusória tranquilidade do pecador no pecado é só aparência. Ele está a deslizar para o fundo do poço; de tempos em tempos dá-se conta do que acontece, e essa perspectiva o assusta. Sente em si capacidades para o mal, que vão aparecendo, tendências abomináveis que nascem dentro dele, instintos brutais e devastadores que assomam em seu horizonte. Ele mesmo se surpreende com o que pensa, com o que deseja, com o que gostaria de fazer; e nesses momentos sente-se como uma barca tragada por um torvelinho. Para ele, o refúgio é uma necessidade urgente, e tem que ser um refúgio que não questione a entrada, que não coloque dificuldades para ancorar lá sua barca, que está a caminho do naufrágio.
Ninguém melhor do que Nossa Senhora para amparar tal alma, nesse momento. O próprio facto de Ela nunca ter pecado apresenta-se como o melhor antídoto para os horrores a que o homem sente sua alma atraída. A bondade materna de Nossa Senhora, ao aceitar o filho errado pelo fato de ser filho, é o que atrairá essas almas. E elas serão também orientadas para mudar sua vida.
E como fica o pecador endurecido?
O que representa Nossa Senhora como refúgio para ele?
Essa alma miserável, que mais do que outras atrai a ira de Deus, tem todas as razões para temer um desfecho violento e terrível, em vista de seus pecados. Com ele a Virgem actua, em geral, nas horas-chave, quando a iminência do desastre se anuncia no horizonte. Quando as portas da tragédia abrem-se para o engolir, quando o Inferno já aparece como um destino selado, nesse momento a Virgem mostra-lhe que ainda há uma saída, que o perdão não está excluído se houver conversão, que Ela será mãe e defensora, que conseguirá o indulto aparentemente impossível. Ela brilhará especialmente para ele, pois trata-se de refúgio, palavra que adquire então todo o seu sentido confortador. Nada se compara com a defesa que a Virgem Imaculada empreende em favor dos piores pecadores nesses momentos supremos. É a glória da misericórdia no seu brilho mais completo, buscando a volta da ovelha perdida ao aprisco.
Peçamos a Nossa Senhora a graça de entender toda a beleza e sabedoria que se encontram nesse plano divino de transformar em refúgio dos mais endurecidos pecadores Aquela que é a mais excelsa das criaturas.

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