"Por astuta aparência de verdade, os hereges seduzem a mente dos inexpertos e escravizam-nos, falsificando as palavras do Senhor."
(S. Ireneu de Lyon)
FORA DA IGREJA NÃO HÁ SALVAÇÃO.
Tempos houve em que, por uma infeliz confusão entre o poder temporal e o poder espiritual, os que professavam heresias eram perseguidos, torturados e mortos,por se considerar que os erros, ou as falsidades, não tinham direitos -- esquecendo-se de que quem erra, ou mente, tem-nos --, e que a sua propagação constituía um perigo, não só para a Igreja como também para a concórdia social, para as nações e para os reinos.
No anúncio do Evangelho, segundo uma interpretação possível, e na justa preocupação pela sua inculturação, um grande número de cristãos deixou, no entanto, submergir parte da identidade e originalidade do seguimento de Cristo, pelos usos, costumes e mentalidades de então.
No desassossego por minorarem (1) alguns graves males, e na solicitude por fins louváveis (2), não consideraram devidamente a normatividade moral da Pessoa de Cristo e do Seu agir, nem algumas exigências da dignidade da pessoa humana, em relação a determinados métodos e meios inaceitáveis a que recorreram, acabando por se deixarem contaminar e manipular (3) por uma porção do mal que repugnavam. Felizmente, esses tempos vão longe, e actualmente recuperou-se, em grande medida, a mansidão evangélica.
A Verdade não se impõe às consciências pela violência da coacção, mas propõe-se pela suavidade da persuasão.
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(1) Por exemplo, garantir a possibilidade de defesa, abrandar o braço secular, etc...(2) Por exemplo, para que as almas dos acusados e/ou condenados não se perdessem, mas pudessem alcançar a Vida eterna -- daí a morte expiatória, etc...
(3) Por exemplo, a manipulação da religião pelos abusos do poder político.
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2. Porém, nos dias de hoje, parece cair-se numa nova confusão, agora de sentido contrário.Antes, confundia-se os que professavam os erros com o próprio erro, e por isso, ao combater este aniquilavam aqueles.
Hoje, não se distingue a falsidade daqueles que a advogam, e por isso, ao tolerar e amar estes, tolera-se, acolhe-se e promove-se aquela.
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2. Porém, nos dias de hoje, parece cair-se numa nova confusão, agora de sentido contrário.Antes, confundia-se os que professavam os erros com o próprio erro, e por isso, ao combater este aniquilavam aqueles.
Hoje, não se distingue a falsidade daqueles que a advogam, e por isso, ao tolerar e amar estes, tolera-se, acolhe-se e promove-se aquela.
Este equívoco parece estar instalado, em parte, na Igreja em Portugal.De facto, não poucos dos seus membros negam, muitas vezes pública e notoriamente, pontos essenciais da Doutrina da Igreja, e mesmo Verdades de Fé.
Contestam que o encargo de interpretar autenticamente a Palavra de Deus tenha sido confiado somente ao Magistério vivo da Igreja; repudiam que a sua autoridade para ensinar, nas questões relativas à Fé e aos costumes, seja exercida em nome do próprio Cristo; não concedem que ela se estenda aos preceitos específicos da Lei Moral natural; negam que se possa definir ou discernir o que é Doutrina imutável, irreformável ou infalível; rejeitam os absolutos morais, não aceitando alguns Dogmas de Fé...
Concretizando (algumas heresias):
Os Anjos não existem;
não há pecado original;
não existe o Inferno, nem o Purgatório;
as Missas pelos defuntos não têm sentido nenhum, mas podem continuar a celebrar-se, para não escandalizar o povo ignorante; a alma não existe;
Deus não pode operar milagres;
Nossa Senhora não foi sempre Virgem, nem foi elevada ao Céu em corpo e alma;
Jesus não tinha, antes da Sua Ressurreição, se é que ressuscitou (duvidam eles), a consciência da Sua Divindade;
que o Sacerdócio ministerial seja reservado (só) aos homens, isso não é doutrina infalível, e portanto, quando este Papa morrer, a Igreja irá mudar;
aliás (alegam eles), o Pontificado deste Papa é esquizofrénico, pois em Doutrina moral é muito conservador, e muito progressista em Doutrina social;
que, em nenhuma circunstância, seja lícito provocar directamente o aborto ou a eutanásia, também isso não é doutrina imutável e infalível, porque nalgumas circunstâncias, ponderados os bens e as consequências, não só se pode, como se deve fazê-lo;
as relações sexuais antes do casamento não são sempre, objectivamente, uma desordem moral grave, mas podem ser lícitas e até recomendáveis;
o adultério, igualmente;
a contracepção, idem;
as relações entre pessoas do mesmo sexo podem ser justificáveis, e por isso, a Igreja deve aceitar o casamento entre homossexuais;
...Mas isto, exclamar-se-á, é o que pensará o povo ignaro, simples, influenciado pelo laicismo, agnosticismo e relativismo, dos grandes meios de comunicação social!
Quem assim reponta, ou rosna, é porque, de alguns anos a esta parte, não vai à Missa, ou então, esteve dormitando e bocejando durante a homilia; não participou em escolas de leigos; não frequentou aulas na UCP; nem assistiu a semanas de teologia ou eventos afins; não conhece directores de faculdades da UCP; não escutou altos dignitários na comunicação social, nem compartilhou da erudição dos seus convidados para orientar retiros, palestras, conferências; não tomou atenção aos órgãos de comunicação social da Igreja; não esteve em amena cavaqueira, saboreando uma bica fraternal, com esses senhores...
É verdade, estes nossos amáveis irmãos -- tenho entre eles bons amigos --, que afirmam categoricamente estas enormidades, dirigem departamentos na UCP, dão aulas aos futuros padres e aos futuros professores de Religião e Moral, orientam ou têm larga voz em órgãos da comunicação social da Igreja, são os conferencistas e pregadores predilectos, e quase únicos, são designados para assistentes espirituais de grandes movimentos, presidem ou participam em conselhos de ética, detêm cargos de relevância em Ordens e Congregações Religiosas -- superiores, definidores, conselheiros, formadores de postulantes, noviços e professos simples --, orientam recolecções ao clero e são chamados a dar-lhe formação...
As suas vastas erudições (4) sonoras, os seus canudos solenes, obtidos em universidades, de preferência estrangeiras, as suas classificações retumbantes, os seus majestosos títulos académicos, valem mais do que a sã e recta Doutrina; o seu charme conta mais do que a fidelidade à Verdade.
A razão, o juízo, o critério, deixam de ser iluminados pela verdade, e passam a ter como referência a plausibilidade, segundo os cânones do "politicamente correcto", e o aplauso do mundo.
Não se diz o que as pessoas precisam de escutar, mas sim o que lhes apetece ouvir; não se chama à conversão a Deus, propõe-se a conformação com a mentalidade dominante.
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(4) Uso este termo no sentido que lhe dá Ortega y Gasset.
3. Mas não haverá quem aceite sem reservas a Doutrina verdadeira? Que é dessa gente?Consta que sim, que há um resto...Quanto a estes, a notícia que deles temos, diz-nos o seguinte:
Alguns vivem clandestinamente a sua ortodoxia, não contraditam verdades, mas silenciam-nas, pelo menos nalguns ambientes, e temerosos ou prudentes, não impugnam a adulteração, não refutam o erro, calam o caos, não denunciam a hecatombe; outros, mais afoitos, atrevem-se, mesmo que timidamente, à proclamação integral da Verdade e à confutação da falsidade.Quanto a estes, ainda não são excomungados, é certo, mas são banidos para a profundidade das catacumbas, sepultados em vida; isto é, marginalizados, postos de lado, afastados.
Quase tudo lhes é vedado. São considerados perigosos, e por consequência, são ignorados, para que não se dê por eles, atirados para a geena da indiferença.Se a estratégia falha, são lapidados com injúrias, soterrados com impropérios, apodados de integristas, retrógrados, extremistas, fundamentalistas...Os seus escritos são cuidadosamente seleccionados pelo novos inquisidores,zelosos do novo "Evangelho", dos dogmas do "politicamente correcto"; as suas iniciativas são pidescamente controladas e sabotadas. Se, porventura, algum escapa à vigilância, logo é sovado, torturado no pelourinho da página impressa, flagelado na praça pública das ondas hertzianas, desacreditado na ágora do fluir catódico.
E tudo isto é uma grande graça.
4. Que o serviço da Verdade seja a forma mais eminente de caridade (isto é, de amor), foi ao contrário provado à saciedade, neste século, pelos mais cruéis totalitarismos, a saber: comunismo, nazismo e fascismo, cuja essência comum consistia na negação, ocultação e perseguição da mesma.
Sendo a Verdade o fundamento da liberdade -- «conhecereis a Verdade e a verdade vos libertará» --, ela é não só necessária para a Salvação eterna, mas também para o reconhecimento, respeito e promoção da dignidade de toda a pessoa humana, e portanto, para a edificação de uma sociedade justa.Daí, que todos tenham o direito primordial de conhecê-la, e que portanto, esta lhes seja anunciada integralmente.
A este direito corresponde o dever de a procurar, de a ela aderir, uma vez encontrada, de a praticar e de a proclamar.
À Igreja, o Corpo de Cristo, isto é, Cristo no Seu Corpo (ou seja, a Verdade no Seu Corpo -- «Eu sou a Verdade» --, Cristo presente na História, foi confiada a Verdade necessária para salvação de todos, a plenitude da Verdade.
Esta Verdade que nos foi dada gratuitamente, sem merecimento algum da nossa parte, pode e deve ser sempre mais investigada e aprofundada, mas nunca contrariada, atraiçoada ou negada.
De facto, a Verdade já dada, mas ainda não totalmente apreendida, é inesgotável, prenhe de riquezas surpreendentes a descobrir, de novas compreensões a meditar.
Esta Verdade que nos foi dada gratuitamente, sem merecimento algum da nossa parte, pode e deve ser sempre mais investigada e aprofundada, mas nunca contrariada, atraiçoada ou negada.
De facto, a Verdade já dada, mas ainda não totalmente apreendida, é inesgotável, prenhe de riquezas surpreendentes a descobrir, de novas compreensões a meditar.
Por isso, e ainda porque, em nós pecadores, se encontra "misturada" com as nossas incapacidades, limitações e misérias, a sua demanda exige também um diálogo permanente com todos, sempre que alguém, seja quem for, diz a verdade, pois é o Espírito Santo que nele fala.
Neste peregrinar, importa respeitar absolutamente a consciência de cada um.
Mas uma coisa é o respeito pela consciência, no seu caminho para a Verdade, como fundamento dos direitos da pessoa, e outra, bem diferente, é o pactuar cúmplice com o anúncio, ou a promoção da falsídia, em nome da própria Verdade.
Servir-se da Igreja «Mestra da Verdade»(DH, 14) (5) -- que foi confiada na sua plenitude (UR, 3) (6), sua coluna e fundamento (LG 8) (7), instrumento de Cristo para a comunicar (LG 8) (8) -- como púlpito para a falsidade, e que isso seja não só permitido como incentivado, é causa de muita estranheza, de grande perplexidade, de justa inquietação.
De facto, se à gente tão douta e eminente, posta como exemplo e como mestra, é lícito negar a Verdade, ou verdades, que lhe apraz, por que não será lícito a qualquer um, negar qualquer outra, como a Imaculada Conceição, a Graça, a Eucaristia, a Divindade de Cristo, o Mistério da Trindade, a existência de Deus, a dignidade da pessoa humana, a Justiça, a solidariedade?
Se a Verdade não é objectiva -- se é impossível conhecê-la com certeza, senão a que depende da fantasia subjectiva e arbitrária de cada um --, nesse caso ela não existe.Mas se assim é, então o Magistério é uma tirania, o Cânone uma opressão, a Igreja uma inutilidade sem sentido, a Evangelização um absurdo, a Redenção uma miragem, o Amor uma quimera, e nós uns miseráveis desgraçados.
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(5) Cf Concílio Ecuménico Vaticano II, "Dignitatis Humanae", 14
(6) Cf Idem, "Unitatis Redintegratio", 3
(7) Cf Ibidem, "Lumen Gentium", 8
(8) Cf Ibidem, idem
(7) Cf Ibidem, "Lumen Gentium", 8
(8) Cf Ibidem, idem
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