Por: Pe. James V. Schall, S. J.
Com cerca de 15 anos na National Review, Robert Reilly - conhecido pelo seu livro The Closing of the Muslim Mind (O fechar da mente muçulmana) - escreveu um importante ensaio intitulado "A Cultura do Vício". Volto-me para este breve e excelente artigo que explica melhor do que outros que tenho lido sobre o que aconteceu recentemente com a cultura e as razões que a isso conduziram.
Reilly começa com a famosa frase de Aristóteles sobre facto de os homens encetarem mudanças revolucionárias motivados pelas suas próprias "vidas privadas". Por sua vez, como já antes teria ensinado Platão, uma desordem da alma, especialmente das almas dos importantes, talentosos e atraentes, se não for corrigida, pode terminar, eventualmente, numa desordem do governo.
Reilly explica o processo pelo qual, essencialmente, o mal e o bem mudam de lugar mediante o costume e a lei. O mal permanece sempre o mal. O bem permanece sempre o bem. Isso não muda e não pode mudar. No entanto, pode pretender-se que eles se transformem um no outro.
O "Vício" é um termo técnico. Trata-se de uma forma equivocada ou errada de viver, em que nos habituamos sempre escolher o mal acima do bem. A nossa liberdade é tal, que podemos fazer isso. A "Virtude" é o oposto do vício.
Aos hábitos que, usualmente, nos fazem escolher pelo bem, mas nem sempre, Aristóteles chamou de "continentes" e aos que nos fazem escolher pelo mal, mas nem sempre, de "incontinentes". Ele considerava que a maioria das pessoas pertencia a uma das duas posições intermediárias.
No entanto, Aristóteles estava ciente da probabilidade de que aqueles que escolheriam mal em sua própria alma corromperiam o resto da sociedade. O processo de transformar o bem em mal é o que Reilly chama de "cultura do mal".
Essencialmente, este é um processo que C. S. Lewis assinalou uma vez: fazer o mal como um bem e o bem como um mal,embora, na realidade, isto não possa ser feito. O que se pode fazer é dar a impressão de que se pode, e para isso existe o poder da opinião pública e o direito positivo.
Reilly demonstra esse processo nos casos de aborto e de homossexualismo, que agora são considerados "direitos" e "virtudes". Ambos permanecem o que são, independentemente, é claro, de como são chamados. Ou seja, os seus efeitos corruptores manifestam-se, embora nos recusamos a reconhecê-los.
O que é brilhante, neste ensaio, é uma visão clara do processo que faz com que aquilo que era originalmente visto como um vício, venha a ser chamado de "virtude" ou "direito", tendo em conta que a primeira questão sobre a “virtude“ não aparecer inicialmente na esfera pública.
As etapas gerais do processo são os seguintes: o primeiro é a solidariedade-compaixão. Não se reconhece uma lei natural para as coisas, especialmente para os assuntos humanos, nos quais se englobam estes vícios. Procura-se a compaixão para alguém que os pratique. Se a pessoa se recusar arrepender-se e pedir perdão, então tem que odiar o mundo que define o vício como um vício. Volta-se contra o mundo e não contra a sua alma.
Todos querem aprovação. Por isso, a tolerância do vício é o segundo passo: considera -se que se está perante um caso excepcional, pelo que passa quase despercebido. É um assunto puramente privado. Mas é o que queremos. Não podemos aceitar a distinção entre práticas e tendências. Nós temos "direito" de praticar o nosso vício e aproveitamos que a palavra “direito” é confusa, mas poderosa, na nossa cultura.
Continuando, então, se temos um "direito", nada pode estar errado ou mal nos nossos hábitos. Aqueles que insistem que algo está errado "discriminam". A lei deve garantir o nosso "direito" a praticar aquilo que definimos como bom. Para isso, temos de eliminar do mundo qualquer sinal que dê a perceber porque algumas actividades são más ou não naturais.
Desenvolvemos uma teoria do cosmos, que não revela nada do que somos. Desta forma, a nossa liberdade acaba por se referir ao "direito" de nos modelarmos a nós mesmos para sermos qualquer tipo de ser que queremos Assim, não existe normalidade no ser humano.
A etapa final faz com que aquilo que se chamou de virtude e seja um vício, seja definido na lei civil. Ninguém pode questionar a legitimidade do vício que se converteu em virtude. Toda a estrutura da educação, governo, trabalho, exército e religião devem estar em conformidade com a "nova lei", que agora governa tudo.
Quando visto dessa forma, podemos ver claramente que este é o processo no qual a civilização ocidental se tem mantido no passado recente. Vícios "privados" tornaram-se leis públicas impostas a todos. É tudo muito lógico, como geralmente é o vício. A descrição que Reilly fez da projecção dos nossos vícios internos na cultura é fascinante.
O que também é fascinante sobre esta análise é a percepção de que ninguém pode viver simplesmente com os seus próprios pecados, não dando conta do que eles são na realidade.Terminamos insistindo para que os nossos pecados sejam reconhecidos como um bem. O Cristianismo acredita há muito tempo que os pecados puramente "privados" não existem.O ensaio de Reilly explica por que isso acontece. É, como eu disse, um ensaio excepcional.
James V. Schall, SJ, é professor da Georgetown University e um dos mais prolíficos escritores católicos na América. Oeu o livro mais recente é “A mente que é católica”.
Fonte (tradução e destaques meus)
Sem comentários:
Enviar um comentário